O Salto Para Trás(II) / (I) – Brasil

nov 8, 2017 by

O Salto Para Trás(II) / (I) – Brasil

Brasil: o capitalismo extrativo

                          e

   o grande salto para trás(II)

                                                        

                                                 James Petras

                                         Nota

     O GRANDE SALTO PARA TRÁS(II)  – BRASIL.    Damos continuidade , aqui, ao sintético e importante artigo de James Petras sobre o Brasil, análise recente, que enfoca uma mudança de nossa economia,  abandonada  a industrialização em função de um “capitalismo extrativo “. Na “apresentação “ da parte I , anterior, tentamos mostrar que a essas mudanças na economia , desde a “ditadura militar “, corresponderam também  profundas alterações políticas e sociais , no consumo,  e até na psicologia do povo brasileiro , quando demos alguns exemplos , e referimo-nos , ao finalizar, ao  “sanatório geral”, bem lembrado por Zuenir Ventura, numa síntese feliz. Aquela apresentação , bem como diversos artigos deste site , têm tentado enfatizar , numa visão micro, uma série de  questões políticas e sociais, do dia a dia, sem perder uma visão  maior de relacionamento com o todo – e interações a nível internacional  . A análise de Petras focaliza , basicamente, os traços gerais de nossa economia, numa perspectiva mais ampla ,  maior  – macro.

 caminhandojornal.com  / Redação
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                                            O modelo agro-mineral e o ambiente 

      Apesar da sua retórica política em favor da família agricultora, os regimes Lula-Dilma têm estado entre os maiores promotores do agro-negócio na história política brasileira. A maior fatia de recursos do estado foi concedida à agricultura, finanças e grandes proprietários rurais.

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           De acordo com um estudo, em 2008/2009 pequenos proprietários receberam cerca de US$ 6,35 mil milhões, ao passo que o agro-negócio e grandes proprietários rurais receberam US$ 31,9 mil milhões em financiamento e crédito [24] . Menos de 4% dos recursos do governo e de investigação foi destinada à agricultura familiar e explorações agro-ecológicas.

Sob Lula, a destruição das florestas tropicais verificou-se a um ritmo acelerado. Entre 2002 e 2008 a vegetação da região do Cerrado foi reduzida em 7,5% ou mais de 8,5 milhões de hectares, principalmente por corporações do agro-negócio [25] . O Cerrado brasileiro é uma das regiões de savana mais biologicamente ricas do mundo, concentrando-se na região centro-leste do país. De acordo com um estudo, 69% da terra de propriedade de corporações estrangeiras está concentrada no Cerrado do Brasil [26] . Entre 1995 e 2005 a fatia de capital estrangeiro no sector cerealífero agro-industrial saltou de 16% para 57%. O capital estrangeiro capitalizou com as políticas neoliberais sob Cardoso, Lula e Dilma deslocando-se para o sector do agro-combustível (etanol), controlando cerca de 22% das companhias brasileiras de cana-de-açúcar e etanol [27] – e rapidamente invadindo a floresta Amazônica.

Entre maio de 2000 e Agosto de 2005, graças à expansão do sector exportador, o Brasil perdeu 132 mil quilômetros quadrados de floresta devido à expansão de grandes proprietários de terra e multinacionais dedicados à criação de gado, soja e madeira [28] . Entre 2003 e 2012, mais de 137 mil quilômetros quadrados foram desflorestados, crime ajudado por multibilionários investimentos do governo em infra-estrutura, incentivos fiscais e subsídios.

Em 2008 o dano à floresta tropical amazônica aumentou 67%. Sob pressão de indígenas, camponeses, trabalhadores rurais sem terra e movimentos ecológicos o governo entrou em ação para restringir a desflorestamento. Ela declinou de um pico de 27.772 quilômetros quadrados em 2004 (o segundo, apenas inferior ao de 1995, sob Cardoso, com 29.059 km²) para 4.656 km² em 2012 [29] .

A criação de gado é a principal causa da desflorestamento  na Amazónia brasileira. Estimativas atribuem mais de 40% a grandes capitalistas e corporações multinacionais de processamento de carne [30] . Os principais investimentos em infra-estrutura dos regimes Lula-Dilma, principalmente estradas, haviam aberto anteriormente terras florestais inacessíveis a empresas corporativas de gado. Sob Lula e Dilma, a agricultura comercial, especialmente a soja, tornou-se o segundo maior contribuinte para a desflorestamento  da Amazônia.

Acompanhando a degradação do ambiente natural, a expansão do agro-negócio foi acompanhada pelo despojamento, assassínio e escravização de povos indígenas. A Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica, informou que em 2004 a violência latifundiária atingiu o seu mais alto nível em pelo menos 20 anos – o segundo ano do mandato de Lula. Os conflitos subiram de 1.801 em 2004, quando em 2003 foram 1.690 e em 2002 foram 925 [31] .

Segundo o governo, corporações de gado e soja exploram pelo menos 25 mil brasileiros (principalmente índios despojados da sua terra e camponeses sem terra) sob “condições análogas à escravidão”. As principais ONGs afirmam que o número verdadeiro poderia ser dez vezes superior àquele. Mais de 183 fazendas foram inspecionadas em 2005 libertando 4.133 escravizados [32] .

Mineração: a fraude da “privatização” da Vale ,

agora poluidora número um

Cerca de 25% das exportações do Brasil são constituídas por produtos minerais – o que destaca a crescente centralidade do capital extractivo na economia. O minério de ferro é o minério de maior importância, representando 78% do total das exportações mineiras. Em 2008, o ferro representou US$ 16,5 dos rendimentos da indústria, num total de US$ 22,5 mil milhões [33] .A vasta maioria das exportações de ferro está dependente de um único mercado – a China. Quando o crescimento da China diminui, a procura declina e a vulnerabilidade econômica do Brasil aumenta.

 Uma firma, privatizada durante a presidência Cardoso, a Vale, através de aquisições e fusões controla quase 100% da produção das minas de ferro do Brasil [34] . Em 1997 a Vale foi vendida pelo estado neoliberal por US$ 3,14 mil milhões, uma pequena fração do seu valor. Ao longo da década seguinte ela concentrou seus investimentos na mineração, estabelecendo uma rede global de minas e mais de uma dúzia de países na América do Norte e do Sul, Austrália, África e Ásia.

O regime Lula-Dilma desempenhou um papel importante para facilitar a dominância da Vale no sector mineiro e o crescimento exponencial do seu valor. O valor líquido da Vale hoje é de mais de US$ 100 mil milhões mas ela paga uma das mais baixas taxas de imposto do mundo, apesar de ser a segunda maior companhia mineira do mundo, o maior produtor de minério de ferro e o segundo maior de níquel. Os “royalties’ máximos sobre a riqueza mineral subiram de 2% para 4% em 2013 [35] . Por outras palavras, durante a década do governo “progressista” de Lula e Dilma , a taxa fiscal era um sexto daquela da conservadora Austrália, que mantém uma taxa de 12%.

A Vale tem utilizado os seus enormes lucros para diversificar operações mineiras e atividades relacionadas. Ela liquidou negócios como o aço e a celulose vendendo-os por US$ 2,9 mil milhões – aproximadamente o preço pago por todo o complexo mineral. Em vez disso concentrou-se na compra de minas de ferro de competidores e literalmente na monopolização da produção. A Vale expandiu-se no manganês, níquel, cobre, carvão, potassa, caulim, bauxita; comprou ferrovias, portos, terminais de contentores, navios e pelo menos oito centrais hidro eléctricas; dois terços das suas centrais hidroelétricas foram construídas durante o regime Lula [36] .

Em suma, o capitalismo floresceu durante o regime Lula com lucros recorde no sector extrativo, perigo extremo para o ambiente e deslocamento maciço de povos indígenas e produtores em pequena escala. A experiência mineira da Vale sublinha as poderosas continuidades estruturais entre o regime neoliberal de Cardoso e o de Lula: o primeiro privatizou a Vale a preço de saldo, o último promoveu a Vale como o produtor e exportador monopolista dominante de ferro, ignorando totalmente a concentração de riqueza, lucros e poderes do capital extrativo.

Em comparação com o crescimento geométrico dos lucros de monopólio do sector extrativo, os miseráveis dois dólares por dia de Lula e Dilma, dados como subsídio para reduzir a pobreza, dificilmente permitem classificar este regime como “progressista” ou de “centro-esquerda”.

Se bem que Lula e Dilma estejam embevecidos com o crescimento do “campeão mineiro” do Brasil (a Vale), outros não estão. Em 2002, a Public Eye, um grupo de direitos humanos e ambientais, deu à Vale um “prémio” como a pior corporação do mundo: “A Vale Corporation atua com o maior desrespeito pelo ambiente e direitos humanos no mundo” [37] . Os críticos citaram a construção da barragem de Belo Monte, da Vale, no meio da floresta tropical amazônica como tendo “consequências devastadoras para regiões com biodiversidade única e tribos indígenas” [38] .

O sector mineiro é capital intensivo, gera poucos empregos e acrescenta pouco valor às suas exportações. Ele tem degradado á água, a terra e o ar; afetado desfavoravelmente comunidades locais, despojado comunidades índias e criado uma economia de altos e baixos.

Com o acentuado arrefecimento da economia chinesa, especialmente o seu sector manufatureiro em 2012-14, os preços do ferro e do cobre caíram. As receitas de exportação do Brasil declinaram, minando o crescimento geral. É especialmente importante que a canalização de recursos para infra-estruturas destinadas aos sectores agro-minerais resultou no esgotamento de fundos para hospitais, escolas e transporte urbano – os quais estão de deprimidos e proporcionam um serviço fraco a milhões de trabalhadores urbanos.

O fim do “mega ciclo” extrativo e a

ascensão de protestos em massa 

O modelo de orientação extrativa do Brasil entrou num período de declínio e estagnação em 2012-2013 quando a procura mundial – especialmente na Ásia – declinou, sobretudo na China [39] . O crescimento flutuou em torno dos 2%, mal acompanhando o crescimento populacional. A classe baseada neste modelo de crescimento, especialmente o estrato reduzido de investidores estrangeiros de carteira, mineração monopolista e grandes corporações do agro-negócio, os quais controlam e arrecadam a maior parte das receitas e lucros, limitou os “efeitos gotejamento” (“trickle down effects”) que os regimes Lula-Dilma promoveram como a sua “transformação social”. Se bem que alguns programas inovadores tenham sido iniciados, o acompanhamento e a qualidade dos serviços realmente deteriorou-se.

O número de camas para pacientes em hospitais declinou de 3,3 por 1000 brasileiros em 1993 para 1,9 em 2009, o segundo mais baixo da OCDE [40] . As admissões em hospitais financiados pelo sector público caiu e as longas esperas e baixa qualidade são endêmicos.

O gasto federal no sistema de saúde tem caído desde 2003, quando ajustado à inflação, segundo o estudo da OCDE. A despesa pública em saúde é baixa: 41%, a comparar com 82% no Reino Unido e 45,5% nos EUA [41] . A polarização de classe inerente ao modelo extrativo agro-mineral estende-se às despesas do governo, impostos, transportes e infra-estrutura: financiamento maciço para rodovias, barragens, centrais hidroelétricas para o capital extrativo, contra gastos inadequados e em declínio para transportes públicos, saúde pública e educação.

As raízes mais profundas dos levantamentos em massa de 2013 estão localizadas na política de classe de um estado corporativo. Os regimes Cardoso e Lula-Dilma, ao longo das últimas duas décadas, seguiram uma agenda elitista e conservadora, amortecida pela política clientelista e paternalista que neutralizou a oposição em massa durante um período de tempo extenso, até que a rebelião em massa e os protestos à escala nacional desmascararam a fachada “progressista”.

Publicitários  de esquerda e sabichões conservadores que saudaram Lula como um “progressista pragmático” ignoraram o fato de que durante o seu primeiro mandato o apoio do estado à elite do agro-negócio foi sete vezes maior do que a oferecida aos agricultores familiares que representavam aproximadamente 90% da força de trabalho rural e proporcionavam a maior parte dos alimentos para consumo local. Durante o segundo mandato de Lula, o apoio financeiro do Ministério da Agricultura ao agro-negócio durante a safra 2008.09 foi seis vezes maiores do que os fundos concedidos ao programa de redução da pobreza de Lula, o altamente divulgado  programa “Bolsa Família” [42] . Ortodoxia econômica e demagogia populista não são substitutos de mudanças estruturais substantivas, envolvendo uma reforma agrária ampla que abranja 4 milhões de trabalhadores rurais sem terra, assim como uma re-nacionalização de empresas extrativas estratégicas como a Vale a fim de financiar agricultura sustentável e preservar a floresta tropical.

Ao invés disso, Lula e Dilma saltaram em força para o boom do etanol: “açúcar, açúcar por toda a parte” mas sem nunca perguntar, “Que bolsos enchem?” A crescente rigidez estrutural do Brasil, sua transformação numa economia capitalista extrativa, potenciou e ampliou o âmbito da corrupção. A competição por contratos mineiros, concessões de terra e projetos gigantes de infra-estrutura encoraja as elites dos negócios agro-minerais a pagarem ao “partido no poder” a fim de assegurar vantagens competitivas. Isto se verificou particularmente com o “Partido dos Trabalhadores” cuja liderança executiva (destituída de trabalhadores) era composta de profissionais em ascensão, aspirando a posições na classe da elite que encarava os subornos nos negócios para o seu “capital inicial” como uma espécie de “acumulação inicial através da corrupção”.

O boom das commodities, durante quase uma década, encobriu as contradições de classe e a extrema vulnerabilidade de uma economia extrativa dependente de exportações de bens primários para mercados limitados. As políticas neoliberais adaptadas à promoção de exportações de commodities levaram ao influxo dos bens manufaturados e enfraqueceram a posição do sector industrial.

Em consequência, os esforços de Dilma para renovar a economia produtiva a fim de compensar o declínio das receitas de commodities não funcionaram: estagflação, excedentes orçamentais em declínio e enfraquecimento da balança comercial praguejaram a sua administração precisamente quando a massa de trabalhadores e da classe média estão a pedir uma redistribuição de recursos em grande escala, de subsídios ao sector privado para investimentos em serviços públicos.

As fortunas políticas de Rousseff e do seu mentor, Lula, foram construídas sobre os frágeis fundamentos do modelo extrativo. Eles falharam em reconhecer os limites do seu modelo, muito menos em formular uma estratégia alternativa. Uma colcha de retalhos de propostas, reformas políticas, retórica anti-corrupção face aos protestos de milhões de pessoas que se estendem a todas as grandes e pequenas cidades do país não resolve o problema básico de desafiar a concentração de riqueza, propriedade e poder de classe da elite agro-mineral e financeira. As suas aliadas multinacionais controlam as alavancas do poder político, com e sem corrupção e bloqueiam quaisquer reformas significativas.

             A era do “Populismo Wall Street” de Lula está acabada. A ideia de que altas receitas provenientes das indústrias extrativas podem comprar lealdades populares através do consumismo, financiado pelo crédito fácil, está ultrapassada. Os investidores da Wall Street já não louvam mais os BRICs como um novo mercado dinâmico. Como é previsível eles estão a transferir seus investimentos para atividades mais lucrativas em novas regiões. Quando a carteira de investimentos declina e a economia estagna, o capital extrativo intensifica sua pressão dentro da Amazônia e com terrível preço por parte da população indígena e a floresta tropical.

O ano de 2012 foi um dos piores para os povos indígenas. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, filiado à Igreja Católica, o número de incidentes violentos contra as comunidades índias aumentou 237% [43] . O regime Rousseff deu aos índios o menor número de títulos legais à terra do que qualquer presidente desde o retorno da democracia (sete títulos). A esta taxa, o estado brasileiro levará um século para titular os pedidos de terra das comunidades índias. Ao mesmo tempo, em 2012, 62 territórios índios foram invadidos por latifundiários, mineiros e madeireiros, 47% mais do que em 2011 [44] .

A maior ameaça de despojamento vem de projetos como a mega barragem de Belo Monte e centrais hidroelétricas gigantes promovidas pelo regime Rousseff. Quando a economia agro-mineral vacila, as comunidades índias estão a ser esmagadas (“genocídio silencioso”) a fim de intensificar o crescimento agro-mineral.

Os maiores beneficiários da economia extractiva do Brasil são os principais traders de commodities do mundo os quais, à escala mundial, embolsaram US$ 250 mil milhões ao longo do período 2003-2013, ultrapassando os lucros das maiores firmas da Wall Street e cinco das maiores companhias automobilísticas. Em meados de 2000, alguns traders desfrutaram retornos de 50 a 60 por cento. Mesmo em 2013 eles estavam numa média de 20-30% ( Financial Times , 4/15/13, p. 1).

              Especuladores de commodities ganharam mais de 10 vezes o que foi gasto com os pobres. Estes especuladores lucram com flutuações de preços entre localizações, com oportunidades de arbitragem proporcionadas pela abundância de discrepâncias de preços entre regiões. Traders monopolistas eliminaram competidores e os impostos baixos (5-15%) aumentaram a sua mega riqueza. Os maiores beneficiários do modelo extrativista Lula-Dilma, ultrapassando mesmo os gigantes agro-minerais, são os vinte maiores traders -especuladores de commodities.

  Capital extrativo, colonialismo interno

e o declínio da luta de classe 

 

A luta de classe, especialmente sua expressão em greves conduzidas por sindicatos e trabalhadores rurais localizados em acampamentos que lançam ocupações de terras, declinou drasticamente ao longo do último quarto de século. O Brasil durante o período que se seguiu à ditadura militar (1989) foi um líder mundial em greves, com 4000 em 1989. Com o retorno da política eleitoral e a incorporação e legalização dos sindicatos, especialmente na estrutura de negociações coletivas tripartidas, as greves declinaram para uma média de 500 durante a década de 1990.

         Com o advento do regime Lula (2003-2010) as greves declinaram ainda mais, para 300-400 por ano [45] . As duas maiores centrais sindicais, CUT e Força Sindical, aliadas ao regime Lula, tornaram-se adjuntas virtuais do Ministério do Trabalho: sindicalistas asseguravam posições no governo e as organizações recebiam grandes subsídios do estado, ostensivamente para treino e educação do trabalhador. Com o boom das commodities e a ascensão das receitas do estado e rendimentos de exportações, os governos formularam uma estratégia do gotejamento, aumentando o salário mínimo e lançando novos programas anti-pobreza.

Nas zonas rurais, o MST continuava a pedir uma reforma agrária e empenhado em ocupações de terras mas a sua posição de apoiar criticamente o Partido dos Trabalhadores em troca de subsídios sociais levou a um declínio agudo nos acampamentos a partir dos quais lançar ocupações de terras. No arranque da presidência de Lula (2003) o MST tinha 285 acampamentos, em 2012 tinha 13 [46] .

                O declínio da luta de classe e a cooptação dos movimentos de massa estabelecidos coincidiram com a intensificação da exploração capitalista extrativa do interior do país e o violento despojamento das comunidades indígenas. Por outras palavras, a exploração acrescida do “interior” pelo capital agro-mineral facilitou a concentração de riqueza nos grandes centros urbanos e nas áreas rurais estabelecidas, levando à cooptação de sindicatos e movimentos rurais. Portanto, apesar de algumas declarações retóricas e protestos simbólicos, o capital agro-mineral encontrou pouca solidariedade organizada entre o trabalho urbano e os índios despojados e trabalhadores rurais escravizados na Amazônia “arrasada”. Lula e Dilma desempenharam um papel chave na neutralização de qualquer frente unida nacional contra as depredações do capital agro-mineral.

                   A degeneração das principais confederações trabalhistas é visível não só com a sua presença no governo e com a ausência de greves como também na organização dos comícios anuais de trabalhadores no 1º de Maio. Os mais recentes virtualmente não incluíram qualquer conteúdo político. Há espetáculos de música, temperados com lotarias oferecendo automóveis e outras formas de entretenimento consumista, financiados e patrocinados por grandes bancos privados e multinacionais [47] . Esta relação entre a cidade e a Amazônia lembra com efeito uma espécie de colonialismo interno, no qual o capital extrativo subornou uma aristocracia do trabalho como aliado cúmplice para a sua pilhagem das comunidades do interior.

Conclusão: com movimentos de massa,

o modelo extrativista está sob sítio 

Se a CUT e a Força Sindical estão cooptadas, o MST está enfraquecido e as classes de baixo rendimento receberam aumentos monetários, como e por que movimentos de massa sem precedentes emergiram em simultâneo numa centena de grandes cidades e outras menores por todo o país?

O contraste entre os novos movimentos de massa e os sindicatos foi evidente na sua capacidade para mobilizar apoio durante os dias de protesto de Junho-Julho/2013: os primeiros mobilizaram 2 milhões, os últimos 100 mil.

O que precisa ser esclarecido é a diferença entre os pequenos grupos locais de estudantesMovimento Passe Livre , MPL) que detonaram os movimentos de massa com base num aumento em tarifas de autocarros e os gastos faraónicos do estado com a Copa do Mundo (campeonato de futebol) e as Olimpíadas e os movimentos de massa espontâneos que questionaram as políticas orçamentais do estado e as prioridades na sua totalidade.

Muitos divulgadores  dos regimes Lula-Dilma aceitam sem questionamento as verbas orçamentais atribuídas a projetos sociais e de infra-estrutura, quando de fato apenas uma fração é realmente gasta na medida em que são roubadas por responsáveis corruptos. Exemplo: entre 2008-12 foram destinados R$ 6,5 mil milhões para transporte públicos nas cidades principais mas só 17% foi realmente gasto (Veja, 17/07/2013). Segundo a ONG “Contas Abertas”, ao longo de um período de dez anos o Brasil gastou mais de R$160 mil milhões em obras públicas que não estão concluídas, nunca deixaram a prancheta de desenho ou foram roubadas por responsáveis corruptos. Um dos mais notórios casos de corrupção e má administração é a construção de 12 quilômetros de metrô  em Salvador, com a condição estabelecida de que seria completado em 40 meses ao custo de R$ 307 milhões.

Treze anos depois (2000-13) as despesas aumentaram para cerca 1000 milhões de reais e escassos 6 km foram completados. Seis locomotivas e 24  vagões   comprados por 100 milhões de reais decompuseram-se e a garantia dos fabricantes expirou ( Veja, 17/07/2013). O projeto foi paralisado por ações de sobre-faturamento , corrupção  envolvendo responsáveis federais, estaduais e municipais. Enquanto isso, 200 mil passageiros são forçados a viajar diariamente em vagõesdecrépitos.

A corrupção profunda que infecta toda a administração Lula-Dilma conduziu a um vasto fosso entre os apregoados feitos do regime e a deteriorada experiência diária da grande maioria do povo brasileiro. O mesmo fosso existe em relação às despesas para preservar a floresta tropical amazônica, as terras dos índios e para financiar os programas anti-pobreza: responsáveis corruptos do PT desviam fundos para financiar suas campanhas eleitorais ao invés de reduzir a destruição ambiental e reduzir a pobreza.

Se a riqueza do boom no modelo extrativo agro-mineral “filtrou-se” para o resto da economia e elevou salários, isso fez-se de um modo muito irregular, desigual e distorcido. A grande riqueza concentrada no topo encontrou expressão numa espécie de novo sistema casta-classe no qual transporte privado – helicópteros e heliportos – clínicas privadas, escolas privadas, áreas de recreação privadas, exércitos de segurança privada para os ricos e abastado foram financiados por subsídios promovidos pelo estado. Em contraste, as massas experimentaram um agudo declínio relativo e absoluto em serviços públicos nas próprias experiências essenciais da vida.

A ascensão no salário mínimo não compensada por 10 horas de espera em apinhadas salas públicas de emergência, transportes irregulares e superlotados, ameaças pessoais diárias e insegurança (50 mil homicídios). Pais que recebem a esmola anti-pobreza enviam seus filhos para escola decadentes onde professores mal pagos correm de uma escola para outra mal atendendo suas classes e proporcionando um fraco aprendizado. A maior indignidade para aqueles que recebem esmolas de subsistência foi dizerem-lhes que, nesta sociedade de classe-casta, eles eram “classe média”; que faziam parte da imensa transformação social que retirou 40 milhões da pobreza, quando se arrastavam para suas casas com horas de tráfego, retornando de empregos cujo salário mensal pagava uma partida de tênis num clube de campo da classe alta.

A economia extrativa agro-mineral acentuou todas as desigualdades sócio-econômicas do Brasil e o regime Lula-Dilma acentuou esta diferença pela elevação das expectativas, ao afirmar o seu cumprimento e a seguir ignorar os impactos sociais reais na vida diária. As verbas orçamentais em grande escala do governo para transporte público e promessas de projetos para novas linhas de metro e comboio foram adiadas durante décadas pela corrupção em grande escala e a longo prazo.

Os milhares de milhões gastos ao longo de anos renderam resultados mínimos – uns poucos quilômetros completados. O resultado é que o fosso entre as projeções otimistas do regime e a frustração das massas aumentou amplamente. O fosso entre a promessa populista e o aprofundamento da clivagem entre classes sociais não será encoberto por lotarias sindicais e almoços VIP. Especialmente para toda uma geração de jovens trabalhadores que não estão presos às antigas memórias do Lula “metalúrgico” um quarto de século antes. A CUT, a FS, o Partido dos Trabalhadores são irrelevantes ou são percebidos como parte do sistema de corrupção, estagnação social e privilégio. A característica mais gritante da nova onda de protesto de classe é a divisão de gerações  e organizacional: trabalhadores metalúrgicos mais velhos ausentes, jovens trabalhadores não organizados dos serviços presentes. Organizações locais e espontâneas substituem os sindicatos cooptados.

 O local de confrontação é a rua – não o lugar de trabalho. As reivindicações transcendem salários monetários – as questões em causa são o salário social, padrões de vida, orçamentos nacionais. Em última análise os novos movimentos sociais levantam a questão das prioridades de classe nacionais. O regime está a despojar centenas de milhares de residentes em favelas – um expurgo social – para construir complexos desportivos e acomodações de luxo. As questões sociais permeiam os movimentos de massa. A sua independência organizativa e autonomia sublinham o mais profundo desafio a todo o modelo extrativista neoliberal; muito embora nenhuma organização ou liderança nacional tenha emergido para elaborar uma alternativa.

Mas a luta continua. Os mecanismos tradicionais de cooptação fracassam porque não há líderes identificáveis para subornar. O regime, a enfrentar o declínio dos mercados de exportações e dos preços das commodities, e profundamente comprometido com investimentos não produtivos de muitos milhares de milhões de dólares nos jogos, tem poucas opções. O PT perdeu há muito a sua vanguarda anti-sistêmica. Seus políticos estão ligados e financiados por bancos e elites agro-minerais. Os líderes sindicais protegem seus feudos, suas deduções mensais automáticas e seus estipêndios. Os movimentos de massa das cidades, tal como as comunidades índias da Amazônia, terão de encontrar novos instrumentos políticos. Mas ao tomarem o caminho da “ação direta” eles deram o primeiro grande passo.

NOTAS

[1] James Petras and Henry Veltmeyer Cardoso’s Brazil: A land for Sale (Lanham, Maryland: Rowman and Littlefield 2003/Cap. 2.
[2] ibid Cap. 1.
[3] James Petras, Brasil e Lula – Ano Zero (Blumenau: EdiFurb 2005) Cap. 1.
[4] Peter Evans, Dependent Development: The Alliance of Multinational State and Local Capital in Brazil (Princeton NJ : Princeton University Press 1979).
[5] Jose Serra “The Brazilian Economic Miracle” in James Petras Latin America from Dependence to Revolution (New York: John Wiley 1973) pp. 100 – 140.
[6] Brasil e Lula op cit. Ch. 1
[7] Cardoso’s Brazil Ch. 5
[8] ibid, Ch.3 and 6
[9] ibid, Table A.12, p. 126
[10]iIbid, Ch. 3.
[11] ibid, Ch. 1, 2.
[12] ibid, Ch. 5
[13] ibid, Ch. 2.
[14] ibid, Table A. 6.
[15] Brasil e Lula, Ch. 1.
[16] Brazil Exports by Product Section (USD) www.INDEXMUNDI.com/trade/exports/Brazil
[17] Peter Kingstone “Brazil ‘s Reliance on Commodity Exports threatens its Medium and Long Term Growth Prospects” www.americasquarterly.or/icingstone .
[18] Brazil Exports op cit.
[19] Kingstone op cit.
[20] Kingstone op cit. World Bank Yearbook 2011.
[21] Financial Times, 3/26/13, p. 7.
[22] Brazil’s Surging Foreign Investment: A Blessing or Curse? VSITC Executive Briefing on Trade Oct. 2012.
[23] ibid
[24] rainforests:mongabay.com/amazon_destruction
[25] Ibid.
[26] Bernard Mancano Fernandes and Elizabeth Alice Clements “Land Grabbing, Agribusiness and the Peasantry in Brazil and Mozambique ” Agrarian South (April 2013).
[27] Rainforests op cit.
[28] Rainforests op cit.
[29] Rainforests op cit.
[30] ibid
[31] Jose Manual Rambla “La agonia de los pueblos indigenas, buera de la agenda reivindicativa de Brasil” rebellion.org/notice, 5/7/13.
[32] Rainforests ibid p. 8
[33] Brazil Mining, www.e-mj.com/index.php/reatures/850-Brazil-,mining .
[34] Wikipedia Vale, en.wilkipedia.org/wiki/vale_miningcompany .
[35] The Economist, June 2, 2013.
[36] Wikipedia, p. 9.
[37] Guardian, Jan. 27, 2012.
[38] ibid
[39] Financial Times, July 13, 2013, p. 9.
[40] Financial Times, July 1, 2013.
[41] ibid
[42] Rainforest op cit.
[43] ibid
[44] ibid
[45] Raul Zibechi, “El fin del consenso lulista” rebellion 7/7/13
[46] Ibid.
[47]Ibid. O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/?p=1945 (*)

 

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(*) Chapter  e chap. – leia-se “capítulo”. Não corrigidos todos os erros nem feita tradução das notas ,por óbvios motivos. Correções mínimas feitas pela Redação/Caminhando em algumas palavras já traduzidas, provavelmente por robôs. Houve alterações na edição,  apenas, jamais no conteúdo. Cores , algumas fotos,etc. são da edição .Final do artigo de J.Petras. Original , vide acima.Atenção – adiante publicaremos artigo sobre o”capitalismo extrativo “, hoje principal política econômica brasileira, sendo que o Brasil não é o único país do mundo a enveredar por esse tipo de política.Que , evidentemente, não tem a importância da industrialização e da tecnologia a mais moderna(novas patentes, etc. ) dos países que estão à frente do mundo atual . .Trata-se de um tipo de política econômica,  alternativa,  prevista  pelo “Império” para países “atrasados”,  de importância secundária,  e politicamente subordinados, isto é, aptos à sua aceitação sem maiores reações,  dentro de uma perspectiva de “divisão internacional do trabalho” adequada a seus interesses maiores,  no exercício de sua ” governança mundial “, cujas ações vão desde as guerras desencadeadas contra Iraque, Líbia, Afganistão, Síria, etc. na defesa de seus interesses , até à imposição desse tipo de política, conforme sua conveniência e interesses maiores do “bloco” . Cf. neste site “Como agem as multinacionais”, entre outros artigos . Redação .

(*)Obs. : Fotos e videos retirados da internet. OBs. Buscamos colocar o “Brasil-o grande salto  para trás (1), “de James Petras, após o número (2),para facilitar ao leitor a compreensão do conjunto dessa análise do importante autor . Mantemos observações sobre a situação política , também em retrocesso , que antecedem a parte 1 , daquele artigo(Redação) . Segue artigo de Petras, (I) .

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