O Assassino do Lago
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O Assassino do Lago
(Conto , retirado do livro “Brasîlia ainda Chora”, de Mauro M.Burlamaqui).
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[“Gazeta Popular”, fl. 4, DF, terça-feira, 8/11/1973].
(Agência Masters, do correspondente em Brasília).
“Brasília, urgente. (Luiz Cláudio Romano, Reportagem Especial). Numa época em que o governo federal continua preocupado com a questão da segurança nacional, um crime bárbaro e pouco divulgado abala os bastidores da sociedade de Brasília. O dono da Gráfica Auriverde, Santídio Lima de Azevedo, apresentou-se, ontem, à tarde, na 2ª Delegacia, Núcleo Bandeirante, cidade satélite de Brasília, declarando-se culpado pelo assassinato do motorista de táxi Ariovaldo Rodrigues, trinta e seis anos, morto, há dias, nessa capital. Em longo depoimento, perante o delegado Carlos Penaforte, Santídio confessou ser o único responsável pelo assassinato do motorista. Esclareceu que o crime foi praticado por vingança e para obter informações e a confissão dele, que seria o estuprador e assassino de sua mulher Cleusa Azevedo, ocorrida em 5 de outubro deste ano, no Lago Paranoá. Alegou, ainda, que agiu para evitar novos crimes. Santídio chegou à delegacia acompanhado por seu irmão Francisco, taxista, vários amigos, e por um advogado. Tranquilo, o criminoso narrou, com detalhes, o assassinato do motorista, esclarecendo as razões”.
A origem
Baixo, forte, moreno, paraibano, trinta e oito anos, Santídio provocou tumulto ao entrar na delegacia, cercado e ovacionado por populares do Núcleo Bandeirante, onde reside, em especial por inúmeros motoristas de táxi. Bem articulado, começou por explicar ao delegado os antecedentes do crime. Contou que, dia cinco de outubro deste ano, mais ou menos às vinte e três horas e trinta minutos, depois de fazer, com a mulher, um transporte para o depósito de sua empresa, na Asa Sul, usando a kombi da gráfica, ficou conversando com amigos num apartamento da S. Q. S 305. Combinou, então, com a mulher, encontrá-la, um pouco mais tarde, na casa do irmão Francisco, taxista, para voltarem juntos, depois, para o Núcleo Bandeirante. Assim, ficou observando, da janela do apartamento, sua mulher tomar um táxi, rumo ao local combinado.
No caminho, sempre segundo Santídio, o motorista do tal táxi, que levava sua mulher, desviou-se, com uma desculpa, do trajeto combinado e enveredou por um matagal, junto ao Lago, de Brasília, onde a violentou, apesar de forte reação, acabando por matá-la. Santídio declarou que não mais a viu, mas tem certeza que ela se encontra morta e enterrada, à beira do lago, provavelmente no mesmo lugar em que foi estuprada.
A perseguição
O criminoso explicou que,ao chegar à casa do irmão, não encontrou a mulher, que não lhe dera mais notícias.Começou, então, a procurá-la, pelos hospitais, com amigas e delegacias, sem informações . No prédio, onde ela tomara o táxi, indagou e conferiu suas impressões com o porteiro, ambos reconstituindo lembranças sobre o motorista do táxi que ela pegara, a cor do carro e outros detalhes. Com essas informações, resolveu não levar logo o caso, de novo, à Polícia, porque, antes,fora à Delegacia , onde mandaram-lhe aguardar “uns dias” antes de fazer o respectivo registro, pois ela deveria aparecer, segundo os policiais, e também porque ele não acreditava na Polícia para resolver problemas das pessoas. Decidiu, então, recorrer a amigos e familiares “lá da terra”(N. da R.– amigos oriundos da Paraíba,NE),a começar por seu irmão Francisco, taxista.
Começaram eles, então, com mais alguns amigos taxistas, vindos do Nordeste, mas hoje residentes em Brasília, a procurarem o tal motorista, indagando entre a classe, nos postos de gasolina, que funcionam à noite, bares, inferninhos e hotéis . Santídio lembrou que, na delegacia , quando antes tentara registrar o desaparecimento, fora-lhe dito que talvez ela o tivesse abandonado e ido embora de Brasília, com outro, pois, pelo retrato que ele apresentara, era bonita, enquanto ele feio, careca, pequeno comerciante de m… Segundo Santídio, em pouco tempo apareceram informações do suspeito, graças aos taxistas . Um deles ouvira um colega “bonitão”, certa vez, jactar-se de suas conquistas amorosas. A aparência dele parecia conferir com a do taxista, que o porteiro do prédio, onde morava seu irmão, vira de relance. De posse dessas informações, Santídio acabara por conseguir o nome do suspeito, sabendo que era casado, com filhos, ficha criminal limpa, o que o confundiu e retardou a investigação. O tal sujeito era até elogiado por sua educação com os passageiros e, fosse mesmo o criminoso, não poderia ser preso, pois não houvera flagrante. Depois de dúvidas e algumas dificuldades, vendo que a Polícia nada fazia , localizou-o, com auxílio dos amigos, e, ameaçando-o com uma pistola 380, de sua propriedade, conduziu-o para uma casa de madeira, nos arredores de Sobradinho. Ali, submeteram-no a intenso interrogatório. “Tratava-se de um homem cínico, doentio, alucinado. – narrou ao delegado – Ele confessou tudo, depois de uns trancos, declarando que já fizera o mesmo, antes, com doze outras mulheres de Brasília”.
Essa última informação causou impacto e dúvidas na delegacia. O motorista teria dito a Santídio que escolhera sua mulher por engano, pois só gostava de “madames, que nunca contavam nada a ninguém, não reagiam e gostavam, até pediam-lhe que continuasse”.
O assassinato
Santídio declarou ao delegado Penaforte, em depoimento, que, para fazê-lo falar, e depois conseguir confissão detalhada e assinada, teve que recorrer a “pressões” e “apertos”. E que, indignado, com o que estava ouvindo, resolveu vingar-se e acabar desde já com aquele “monstro”. Este, depois, poderia negar tudo e dizer que fora supliciado, quem sabe escapando da Justiça e sendo absolvido, “como muitos por aí”. Primeiro, explicou, ”considerei os detalhes do crime. O cara enganou e estuprou todas as mulheres e matou e enterrou minha mulher à beira do lago, onde ainda deve estar, no local que ele chama “nosso lugar”, na Península Norte, Ponte da Estrela, perto de onde havia um estacionamento improvisado. Local ermo, pouco frequentado, estrada de barro. Inclusive – asseverou o depoente – “esse tarado praticou relações sexuais com minha mulher morta”. Depois de confirmar os fatos e verificar que a estória era coerente, Santídio soubera de detalhes sobre outros crimes : quatorze estupros de mulheres da sociedade de Brasília, sendo dois seguidos de morte. “Houve um crime a mais, depois dele matar minha mulher”. Então – continuou a depor o empresário – iniciei minha vingança. Eu amava minha mulher. Devia-lhe muito. Nunca poderia permitir que esse crime ficasse por isso mesmo. Confesso que não o matei logo.
Primeiro, pressionei-o para que confessasse tudo, inclusive detalhes. De início, cortei-lhe uma orelha. Enchi a boca dele com trapos, para que seus gritos não fossem ouvidos. Depois, dei-lhe uns talhos nas narinas, deixando o sangue escorrer. Como gritasse, mesmo sufocado, dei-lhe um tiro no joelho. Após deixá-lo assim, por algumas horas, período em que esclareceu tudo, em detalhes, busquei outras informações e tirei-lhe a mordaça, de uma vez, para que pudesse ouvir o choro.
Afinal, depois de mais algum tempo, castrei-o, cortei-lhe a outra orelha e a língua. Joguei o corpo no lago, amarrado e junto com umas pedras. Vou indicar o lugar. “No mesmo lago onde o desgraçado estuprou muitas mulheres, inclusive a minha”. E encerrou: “Estou detalhando porque sei que haverá perícia, o corpo será encontrado e verão as mutilações nele. Quero assumir tudo.”
O futuro
Santídio negou a participação de qualquer taxista ou policial, inclusive de seus amigos e de seu irmão Francisco. Mas, o Delegado da Polícia Civil, Carlos Penaforte, da 2ª Delegacia, Núcleo Bandeirante, acredita que foi ajudado pelo irmão e amigos, o que em parte ele reconheceu, e talvez até por policiais conhecidos, desde que tudo foi descoberto rápido. Santídio confirmou que, entre as vítimas de Ariovaldo, havia …“jovens, da sociedade, inclusive estudantes da Universidade de Brasília “.
O delegado, segundo comentários, teria nas mãos um caderno de endereços do motorista assassinado, entregue, como prova, por Santídio, e conservado em absoluto segredo. As investigações estão sendo feitas, em sigilo, proibidas entrevistas dos policiais. São poucos os detalhes fornecidos a respeito. Se não há , por ora, segredo de justiça, com certeza adiante haverá.
Na delegacia, fala-se que tudo será abafado porque estão envolvidas mulheres de autoridades, até de parlamentares , e pelo tipo de crime , estupro, que atinge a intimidade , a privacidade das famílias brasileiras. Não querem as autoridades que seja abalada a opinião pública da Capital Federal, ainda mais numa época em que a subversão vem perturbando a vida da cidade . Afinal, há o problema de manifestações e ações de subversivos, alguns com armas nas mãos, enfrentados pelo GovernoFederal. O criminoso se encontra na Delegacia do Núcleo , contando com a boa vontade de presos, policiais e população local. Seu advogado, Luiz Murta, confia que, julgado por júri popular, seu cliente será absolvido, face aos fatos. Espera lhe será concedida liberdade, ou logo pela autoridade ou via habeas-corpus- não houve flagrante e Santídio se apresentou, com os amigos e advogado, assumindo o crime, sendo então detido. Além disso, o advogado considera que seu cliente assumiu um crime que não praticou, ao menos sozinho, por estar abalado e não se importar com a prisão . O crime teria sido executado por diversas pessoas e seu cliente assumido a culpa para livrar os demais. Não haveria condições dele realizar tudo por si. Santídio estaria protegendo outros por estar agradecido , pelo auxílio e vingança, que ele chama de Justiça. Segundo taxistas disseram à Reportagem ds Gazeta , o acusado, criminoso confesso, estaria também sendo protegido por maridos das vítimas, importantes autoridades da Capital .
O criminoso idolatrava a mulher, de melhor nível social, que, anos antes o ajudara, quando estivera à morte. O casal teve três filhos, um deficiente físico. Todos estarão sem os pais,se Santídio permanecer preso.
O Dr. Penaforte está tomando depoimentos para depois decidir . Muita simpatia popular cerca o assassino. O delegado confirmou que as investigações prosseguirão, já encontrados, hoje, dois corpos de mulher , bem à beira do Lago Paranoá, o que confirma os depoimentos e informações colhidas.
Segundo policiais, o criminoso poderá ser solto a qualquer momento, depois de novo depoimento, pois é primário, tem bons antecedentes, endereço certo e não houve flagrante.
O caso tem origem antiga, tendo algumas dessas mulheres contado o ocorrido a maridos ou parentes, mas tudo abafado e o criminoso solto porque as vítimas não quiseram expor-se com queixa formal, em delegacia. Por isso, o escândalo não teria explodido e atingido a sociedade brasiliense.
Os grandes jornais de Brasília e do Brasil, assim como as emissoras de TV, nada divulgaram, sequer as agências de notícias, por causa da censura, além de pedidos de autoridades do governo militar. (Esta reportagem foi feita junto aos taxistas e, depois, via entrevista do Delegado Penaforte, que não teve como negar as informações, acabando por responder a algumas perguntas do repórter, antes já informado pelo acusado e seus amigos).
Santídio Azevedo deve ser logo solto porque, além do mais, as autoridades policiais nada têm a temer dele, sequer alguma influência ou pressão sobre as testemunhas , eis que elas simpáticas a ele, que é apenas pequeno comerciante,muito estimado no Núcleo Bandeirante, DF. (R. Freitas/Editoria de Brasília/Sucursal ).(*).
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(*) Conto 12, do livro “Brasília Ainda Chora” , de Mauro M.Burlamaqui.
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